Cidade Pequena

Felipe Martinelli
5 min readOct 28, 2021

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Dez da manhã, o avião pousava suavemente. Saiu aflito pelas escadas até o terminal, ficou esperando suas malas, olhando atento ao relógio a cada minuto que passava. Ficara longe de casa por cinco anos em um centro de pesquisa, trabalhando com poucas pessoas e muitos pinguins. Sua família estava do outro lado do portão de desembarque com uma cartolina com o seu nome e escrito logo abaixo “bem-vindo!”. Ao vê-los, não se conteve e chorou muito, ao mesmo tempo que corria para abraçar a todos. Ainda era estranho para ele ouvir as pessoas falarem português. Mas a saudade era mais forte que essa estranheza. Ele sorria o tempo todo em que conversavam no carro. Estava seu pai dirigindo e sua mãe no banco de passageiro. No banco de trás estavam ele, sua irmã mais nova e seu avô. Na estrada, reparava nos outdoors que pareciam ter surgido ali, de repente, na rodovia até chegar em sua cidade.

“Quando colocaram isso aí?”, perguntou.

“Ah, faz tempo, nem lembro mais”, respondeu seu pai.

“E esse seu pé afundando no acelerador? Continua o mesmo hein pai!” — todos começaram a rir no carro.

“É filho, tem coisas que nunca mudam…” — respondeu seu pai, demonstrando um certo incômodo com a pergunta, mas sorrindo com a volta do filho. — “Mas o importante é que você voltou, e temos que almoçar fora pra comemorar, você escolhe o restaurante.”

“Ah pai, não to com muita vontade de comer em restaurante, queria mesmo uma coxinha de frango, ou aquele lanche que faziam na padaria da Rua Marechal, sabe?”

“Ah, esse não dá, a padaria fechou. Demoliram e agora virou um estacionamento. Sabe como é, muitos carros no centro…” — disse seu pai, mudando sua expressão para um pouco de tristeza.

“Mas como? Você ia lá toda semana com seus amigos da firma!” — disse o filho demonstrando estar inconformado.

“É filho, às vezes nem tudo é como a gente quer, sabe…”

Por um momento, o rapaz ficou pensativo, olhando pela janela aquelas ruas do centro onde cresceu. Mas tudo lhe parecia tão estranho…

“E o restaurante que seu amigo trabalhava, o… qual era o nome dele mesmo? Eduardo?” — perguntou o jovem, com uma expressão um tanto confusa com aquele lugar, olhando atentamente todas as casas novas, lojas desconhecidas e prédios altos que passavam a sua frente.

“Também fechou, virou uma loja. E o Eduardo foi trabalhar no escritório do lado da firma, depois que se divorciou. Mas a gente não se viu mais depois que eles se separaram. Às vezes, mas bem de vez em quando mesmo, a gente se encontra na rua e um fala oi para o outro e só.”

“Nossa, mas que aconteceu?”

“Ah, às vezes a vida não acontece como a gente planejou, sabe como é…”

“Uma pena, adorava conversar com ele e a esposa…”

“O Rubens lá do bar ouviu do primo do Eduardo que ele queria mudar para longe daqui. E que ouviu da sobrinha do vizinho dela que ela se casou com o filho da Dona Lurdes, lembra dela? Os dois se mudaram para Portugal!” — seu pai deu uma pequena pausa, respirou fundo e continuou — “Já o Eduardo, tá proibido de entrar no bar do Rubens depois de ter brigado com o neto do Rubens, então a gente não conversou muito nos últimos tempos.”

“Nossa, você conseguiu resumir uma cidade pequena em uma fala só! Bom, vamos então em qualquer lugar, deve ter muita opção hoje em dia, não?”

Seu avô virou para ele e lhe disse — “Podemos ir ao shopping novo, se você quiser, lá tem bastante coisa na praça de alimentação, que acha? Aí você já conhece o lugar, a gente passeia e toma um sorvete lá mesmo depois.”

“Shopping novo?” — o jovem perguntou assustado — “Aquele shopping antigo já não era o suficiente para essa cidade? Podiam ter feito um teatro, um centro cultural, sei lá.”

“E você continua implicando com shoppings como sempre hein filho” — disse sua mãe rindo, com um tom de sarcasmo.

“Então vamos naquele restaurante que a gente sempre ia na Vila Arens!” — disse seu pai, um pouco mais animado.

“Por mim pode ser, e vocês?” — perguntou o jovem olhando para os demais.

Todos concordaram e seu pai mudou um pouco o trajeto. Duas ruas depois, logo se depararam com muitos carros parados. O rapaz, inconformado, perguntou a eles — “Mas desde quando existe trânsito aqui? Ainda mais nessa rua que nunca passa ninguém?”

Seu pai, sem demonstrar surpresa, lhe respondeu — “Filhão, a cidade cresceu muito sabe… Veio muita gente de outras lugares, pessoal que mora aqui e trabalha em Campinas, São Paulo, todo dia to pegando trânsito pra ir pro trabalho.”

“Se fosse assim era mais fácil a gente se mudar pra Campinas” — disse o rapaz com um tom irônico — “O tio Antônio não mora aqui perto da Vila Arens? A gente podia ir lá dar um oi, não era ele que passava o dia em casa escrevendo, depois que se aposentou?” — perguntou o filho, olhando todos aqueles carros parados à frente.

“Mudou pra chácara lá no Caxambú, compraram a casa dele pra fazer um prédio” — disse a mãe.

“Ah, vamos para casa então, se quiserem eu faço uma receita que aprendi lá, só precisamos passar no mercado. Espero que ainda exista o mercadinho do Josias no quarteirão do lado. Assim dá pra ir a pé e não pegar trânsito.”

“Não, o Josias vendeu pra uma rede de supermercados, tão reformando lá pra aumentar o espaço” — respondeu a irmã.

“Qual rede, você sabe?” — perguntou o pai.

“Não sei, a Laura que é filha dele disse que é uma rede de fora, mas não sabia o nome quando eu perguntei pra ela.” — respondeu a irmã mais nova, que estudava com a filha do Josias. — “Só espero que seja boa, esses mercados novos que abriram aqui não são muito bons…”

O jovem já estava um pouco incomodado e disse, mostrando-se impaciente — “Bom, vamos pra casa então e pedimos comida em algum lugar, estou cansado da viagem… Nossa! Não vejo a hora de entrar no meu quarto e me jogar na cama! Nem tem como comparar a cama que eu dormia lá com a daqui… Aí vocês me chamam quando a comida chegar, que acham?”

“É… Sim… Claro… A gente te chama…” — disse seu pai, sem jeito, mexendo levemente a cabeça para os lados, com um sorriso não muito natural, pensando como ia explicar que o quarto do filho tinha virado um escritório e a cama tinha ido embora já fazia bom um tempo.

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Felipe Martinelli
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Written by Felipe Martinelli

Animador, ilustrador e professor. Gosto de contar histórias das formas mais variadas, além de fazer uns bolos bem bons. Mais no meu site: www.felipem.art

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