Espera na Rodoviária

Felipe Martinelli
4 min readOct 28, 2021

Já era tarde da noite, ela não sabia exatamente a hora que o relógio marcava. Sabia apenas que já havia passado da hora dele chegar. A situação era a seguinte: uma moça, aparência jovem, devia ter lá seus vinte anos, em pé, parada com o vento balançando seus longos cabelos castanhos. O olhar atento, alternando entre o relógio em seu pulso, o relógio da rodoviária e a plataforma, na qual deveria ter chegado um ônibus. E ele, um rapaz também jovem, que deveria ter chegado junto com o tal do ônibus, e que deveria ter descido correndo pela pequena escada, jogado a mala na calçada e abraçado sua amada como nunca. Pelo menos, era essa a expectativa dela. Ele deveria estar ali, em pé, abraçando-a com toda a força, afinal, foram semanas que ficaram sem se ver, conversar ou qualquer outra coisa. Mas não, ele não estava lá. O ônibus poderia ter atrasado no trajeto, ela logo pensou, afinal, eram várias paradas até chegar na última cidade, vai que alguém não estava se sentindo muito bem e atrasou um pouco a viagem. Ou vai que seu relacionamento, assim como todos os outros relacionamentos nos quais se envolveu, é que não estivesse se sentindo muito bem e resolveu parar no tempo.

Cada minuto que passava, uma ideia nova vinha em sua mente. Talvez algum dos pneus tenha furado, e o motorista demorou um tempão para conseguir trocar. Ou o motor parou de funcionar e tiveram que arranjar outro ônibus, ou um mecânico emergencial. Ou chuva! Choveu muito e estavam parados esperando melhorar o tempo. Ela estava ansiosa, resolveu caminhar por ali. Andou de um lado para o outro, mas sempre atenta aos relógios e à plataforma de desembarque. E atenta também às memórias que fingia não prestar atenção. Desde que começaram a namorar, ela o aguardava todos os domingos a noite no mesmo horário, quando ele voltava para a cidade onde trabalhava e estudava, e a via sempre que possível. Com exceção daquele mês de férias, em que ficaram sem contato.

Um fato era certo, alguma coisa tinha acontecido. Aquele ônibus, naquele horário tarde da noite, sempre chegava pontualmente, às vezes até um pouco antes. Se estava tão atrasado assim, já havia se passado meia hora, é porque, sem dúvida alguma, algo tinha acontecido. E tinha. Eles tiveram uma pequena briga antes das férias. Ela se dizia confusa, ele se cansara de toda aquela insatisfação e ciúmes que ela jogava para cima dele. Mas ao mesmo tempo tinha medo de perdê-la. Resolveram que iam ficar um tempo sem conversar.

Mais ideias surgiam. Talvez o motorista é que não se sentiu bem e tiveram que interromper a viagem. Será que havia essa possibilidade, será que encontrariam um outro motorista? Ou talvez houvesse um acidente no caminho e estava um congestionamento com todos os viajantes angustiados e cansados querendo ir logo para casa. Ou, talvez, o próprio ônibus tivesse sofrido um acidente! Conforme o tempo passava, as possibilidades, as opções do que poderia ter acontecido, se tornavam piores, mais violentas, mais trágicas e mais improváveis. Talvez eles tenham sido assaltados! O que era pouco provável naquela região, os ladrões preferiam os caminhões, pouca gente, muita mercadoria. Para os ladrões, era melhor roubar mercadoria do que ter que lidar com as atitudes imprevisíveis das pessoas.

Ela foi ao balcão de informações, digamos que pela quinta vez. Uma das atendentes, demonstrava um certo aborrecimento por ter que responder mais uma vez “sinto muito, mas não tenho informações sobre esse ônibus, apenas que saiu da outra rodoviária no horário”. Mas tentava não deixar o aborrecimento transparecer. Sabia que essa era uma situação comum naquele ambiente, ainda mais quando se tratava de casais de namorados. Pra falar a verdade, a atendente não queria demonstrar, mas, no fundo, tinha uma certa preocupação e empatia com tudo aquilo, pois sabia como era difícil aguardar por alguém e essa pessoa nunca aparecer. Ela via aquilo acontecer quase todos os dias na rodoviária, talvez até na sua própria vida, e aquele caso da coitada esperando parecia ser de uma solidão extrema. Querendo ou não, tinha criado simpatia pela moça que vinha pedir informações, mas tentava demonstrar indiferença. A outra atendente não. Estava de saco cheio de tudo aquilo e sinceramente passou a ignorá-la na terceira vez que apareceu no balcão.

O tempo continuava correndo, e nada do ônibus aparecer. Quarenta minutos de atraso. Talvez a estrada estivesse congestionada, obra na pista, polícia procurando algum carro em particular… Alguma coisa certamente aconteceu! Ela resolveu se sentar, já estava muito cansada de ficar em pé, de andar, de ir até o balcão. Enfim, sentou. No entanto, sentar não diminuiu sua ansiedade. A perna começou a balançar, o olhar começou a se perder em várias direções. Logo mais voltou à rotina de cinco minutos atrás, andando, indo até o balcão, angustiando-se. Angústia semelhante àquela que sentia quando brigavam por algum motivo besta e duas horas depois se perdoavam aos beijos e abraços. O problema é que cada vez mais o perdão estava demorando pra chegar.

Cinquenta minutos de atraso e, por fim, o ônibus chegou. Por fim, ela sai daquela situação de agonia. Corre em direção à porta que sequer acabou de se abrir. Olha passageiro por passageiro que desce, procurando aquele que tanto tempo ficou esperando chegar. Pensa em abraçá-lo com força assim que o encontrar. Seus braços tremem. Grita o seu nome, mas ninguém responde. Praticamente metade dos passageiros já desceu e nada dele. Continua olhando atenta para todos que saem, todos que passam ao redor daquilo tudo, até que o motorista apaga as luzes, desce e fecha a porta. Fica ali, estacionado, sem movimento, sem iluminação, sem ninguém.

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Felipe Martinelli

Animador, ilustrador e professor. Gosto de contar histórias das formas mais variadas, além de fazer uns bolos bem bons. Mais no meu site: www.felipem.art